CENTRO UNIVERSITÁRIO DO DISTRITO FEDERAL
a Mão Invisível dos Robôs : Os Impactos da Automação na Arrecadação Tributária e na Seguridade Social
Eduardo Lourenço Coelho
Larissa Rodrigues Costa
Rômulo Lopes Fernandes
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Fernando Borsio
Resumo
Os avanços da automação geram diariamente transformações significativas no mercado de trabalho, afetando diretamente as arrecadações tributárias e a sustentabilidade da seguridade social. O presente estudo tem como escopo a análise das substituições da mão de obra do trabalhador humano por máquinas e equipamentos de inteligência artificial e a sua consequência para a arrecadação da seguridade social brasileira, que depende de forma majoritária e excessiva das contribuições advindas do trabalho formal prestado pelo homem, além da análise do desfinanciamento da seguridade social decorrente do advento da 4ª Revolução Industrial. A pesquisa aborda a tentativa de um conceito mais flexível para o imposto sobre os robôs, explorando as hipóteses de tributação da automação propostos em diversos países do mundo, expondo possíveis soluções para mitigar os efeitos negativos da automação, preservando o equilíbrio financeiro e atuarial da seguridade social. Utilizando-se de pesquisas bibliográficas, documentais, revisão teórica e análise de estudo de casos internacionais, buscou-se traçar quais seriam as melhores hipóteses de tributação sobre a automação que poderiam ser implementadas em nosso país. Ao mesmo tempo, reconhecemos as limitações da pesquisa, como a dificuldade de generalizar os resultados para todos os contextos.
Palavras-chave: Automação; Tributação; Seguridade Social; 4ª Revolução Industrial; Imposto sobre Robôs.
Abstract
The advances in automation are causing significant daily transformations in the labor market, directly affecting tax revenues and the sustainability of social security. This study aims to analyze the replacement of human labor by machines and artificial intelligence equipment and its consequences for the revenue of Brazilian social security, which heavily and excessively depends on contributions from formal work provided by individuals. The research also addresses the disinvestment in social security resulting from the advent of the 4th Industrial Revolution. The study explores attempts to establish a more flexible concept for robot taxation, investigating automation taxation proposals in various countries around the world, and presenting potential solutions to mitigate the negative effects of automation while preserving the financial and actuarial balance of social security. Using bibliographic research, documentary analysis, theoretical review, and case study analysis, the study seeks to outline the best automation taxation hypotheses that could be implemented in our country. At the same time, we recognize the limitations of the research, such as the difficulty in generalizing the results to all contexts.
Keywords: : Automation; Social Security; Fourth Industrial Revolution; Robot Tax
INTRODUÇÃO
A 4ª Revolução Industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas, está reconfigurando o mundo do trabalho. A automação, um dos pilares dessa revolução, promete aumentar a produtividade e transformar a maneira de consumo e produção. No entanto, essa transformação levanta questões cruciais sobre os impactos sociais e econômicos, tendo em vista o panorama demográfico brasileiro e os modelos de financiamento da seguridade social, focado principalmente na contribuição da pessoa humana, surge a problemática de como ficará o custeio destes modelos uma vez substituído o trabalhador humano por um robô.
O trabalho é estruturado em cinco seções principais: a primeira aborda um contexto histórico e conceitual sobre o tema, trazendo as recentes discussões internacionais e como tem sido enfrentado em diversos países. Logo após, faz-se um histórico do sistema de seguridade social no Brasil até os dias atuais.
Adiante, a segunda e terceira seção trata dos impactos causados pela 4ª Revolução Industrial (automação) e como isso interfere no custeio da seguridade social. De maneira panorâmica é discutido como a automação pode influenciar nas relações de trabalho, principalmente, na maneira de funcionamento dos sistemas de financiamento da seguridade no brasil e as consequências decorrentes da perda do contribuinte.
Em seguida, na quarta seção discute-se acerca da tributação e iniciativa privada. É enfrentado neste tópico sobre a maneira adequada para solucionar a problemática, de forma que não comprometa a livre iniciativa e não seja um empecilho para o desenvolvimento tecnológico sustentável, mas que promova o bem estar e a justiça social.
Por último, a quinta seção traz possíveis alternativas e recomendações para solucionar esta problemática. Com base em uma extensa pesquisa é feita uma análise de possíveis soluções, decorrentes de estudos e modelos propostos internacionalmente.
Em síntese, busca-se por meio deste trabalho analisar os impactos da automação na arrecadação tributária, em especial, as possíveis consequências para o custeio da seguridade social. Observando o contexto histórico e social do país faz-se uma abordagem profunda das possíveis consequências e quais impactos acarretará.
A questão central que orienta este estudo é: Como a automação impactará a arrecadação tributária e a sustentabilidade dos sistemas de seguridade social tendo em vista a substituição do trabalhador humano por um robô?
Este estudo é uma pesquisa de natureza exploratória, focado na interpretação jurídica das fontes secundárias selecionadas, baseando-se na análise qualiquantitativa.
No trabalho foram utilizados os seguintes procedimentos: pesquisa bibliográficas e documentais, estudo de caso, revisão teórica e análise de estudo de casos internacionais. Ao analisar setores como a indústria e os serviços, o estudo detalha as consequências da automação, como a redução da arrecadação previdenciária e propõe modelos de proteção social adaptados às novas demandas tecnológicas que podem auxiliar na preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos sistemas da seguridade social.
OS FUNDAMENTOS DA TRIBUTAÇÃO NA AUTOMAÇÃO E SEGURIDADE SOCIAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E CONCEITUAL
A TRIBUTAÇÃO DA AUTOMAÇÃO
A tributação da automação, normalmente conhecida como imposto sobre robôs, consiste em uma discussão no âmbito do direito tributário notoriamente complexa. Essa modalidade tributária visa incidir sobre as atividades empresariais que de maneira massiva utilizam robôs ou tecnologias automatizadas, em substituição à mão de obra humana. Zilveti, Fernando Aurelio. As Repercussões da Inteligência Artificial na Teoria da Tributação: The Repercussions of Artificial Intelligence in Tax Theory. 489 p. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1457 Acesso em: 12 nov. 2024.
A justificativa para a incidência desse tributo reside, em regra, na necessidade de preservar a arrecadação tributária e garantir a sustentabilidade da seguridade social, diante dos desafios enfrentados impostos pela crescente automação.
A evolução tecnológica e a crescente automatização dos processos produtivos impõem novos desafios à legislação tributária. Atualmente, a incidência tributária desenvolvida pelo trabalho de mão de obra humana incide sobre os rendimentos devidamente calculados sobre os salários mensais, enquanto as atividades desempenhadas por robôs não se encontram sujeitas ao mesmo nível de impostos.
A ausência de um regime tributário específico para a atividade desenvolvida por robôs gera um desequilíbrio fiscal, comprometendo a sustentabilidade da seguridade social. Marcelo Fernando Borsio ao tratar sobre a sustentabilidade da seguridade social esclarece que:
“A crise no sistema previdenciário brasileiro, em especial no tocante ao custeio dos benefícios, é uma realidade vigente. As características do nosso modelo previdenciário, aliadas às questões demográficas, ao atual modelo de sociedade vivenciado (sociedade de riscos), bem como à quarta revolução industrial, tem comprometido a sustentabilidade do sistema.” (BORSIO 2021, p. 52073)
Com isso, podemos visualizar que no âmbito das despesas e receitas públicas pode ocorrer um impacto direto, onde a substituição de mão de obra humana acarreta um aumento no desemprego e a precarização do trabalho, impondo ao Estado a obrigação de ampliar a oferta de benefícios sociais e como consequência a dependência crescente da população em relação aos programas sociais financiados por recursos públicos, revelando a urgência de se repensar nos modelos de proteção social conforme a nova realidade do mercado de trabalho.
Nesse contexto, a proposta de instituição de um imposto sobre a utilização de robôs na produção surge como uma alternativa para corrigir esse desequilíbrio e garantir a equidade do sistema tributário.
O Fórum Mundial, também conhecido como Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum - WEF), é uma organização sem fins lucrativos com sede em Genebra, que visa melhorar o estado do mundo através do engajamento com líderes de negócios, políticos e outras figuras influentes.
O Fórum Econômico Mundial (2023) destaca a necessidade de políticas públicas para mitigar os impactos sociais da automação, como a tributação de robôs, que pode garantir educação e qualificação profissional.
Diversas questões sobre a tributação de robôs são levantadas, colocando em conflito dois interesses fundamentais: a proteção social, por meio da preservação do emprego, e o desenvolvimento tecnológico, onde a elevação dos custos dos robôs, com o objetivo de preservar os postos de trabalho, pode gerar um efeito colateral negativo, ao desestimular a inovação e o investimento em novas tecnologias, comprometendo a competitividade das empresas e a geração de novos empregos a longo prazo. É necessário, portanto, encontrar um equilíbrio entre a necessidade de proteger os trabalhadores e a importância de fomentar a inovação tecnológica.
A União Europeia, em busca de uma tributação mais justa e equitativa, propôs a criação de um regime tributário específico para a atividade desenvolvida por robôs, visando a equiparação entre robôs e humanos. A ideia central dessa proposta é considerar os robôs como sujeitos passivos de tributação, equiparando-os aos humanos no que diz respeito à incidência de impostos sobre a renda. Essa medida visa garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário e evitar a desigualdade fiscal entre a mão de obra humana e a automatizada.
Em defesa da equidade tributária, diversos empresários, como Entrevista concedida por Bill Gates a BBC NEWS “Uma das coisas que precisamos fazer é ter um imposto sobre robôs. Quando você automatiza uma função, isso deve ser considerado uma nova forma de trabalho e, portanto, deve ter sua tributação apropriada”
Bill Gates, defenderam a aplicabilidade de um imposto sobre a utilização de robôs
O Parlamento Europeu, em sua Resolução mencionada anteriormente, defendeu que os recursos gerados por esse tributo seriam utilizados para o financiamento de políticas públicas de proteção social, como programas de requalificação profissional e de apoio à transição para novas áreas de trabalho.
Porém, a proposta foi rejeitada pelo Parlamento, abrindo precedentes a mais debates e pesquisas sobre o tema.
As discussões existentes sobre a tributação de robôs encontram-se em um estágio inicial, mas com a crescente revolução da automação na economia global indica que essa temática ganhará cada vez mais destaque nos debates jurídicos e políticos. A evolução tecnológica e seus impactos sobre o mercado de trabalho exigirão a reformulação de diversos institutos jurídicos, incluindo o sistema tributário, com o objetivo de garantir a adaptação às novas realidades e a proteção dos interesses sociais.
Ao tributar robôs nota-se a necessidade da construção de um conceito jurídico preciso e claro, capaz de acompanhar a evolução tecnológica e de evitar elisões fiscais. A definição legal deve ser suficientemente flexível para englobar não apenas os robôs existentes, mas também os sistemas automatizados que venham a ser desenvolvidos no futuro.
Com a ausência de uma definição legal para o termo “robô”, a ISO é uma entidade não-governamental que estabelece normas internacionais.
Organização Internacional de Normalização - ISO, em uma tentativa de padronização da terminologia, formulou uma definição técnica, mas não esgotando as nuances conceituais, uma vez que esse padrão técnico é utilizado como referência na indústria. É fundamental reconhecer que a qualificação de um equipamento como 'robô' possui implicações jurídicas relevantes, exigindo uma análise caso a caso, considerando as características técnicas e funcionais do dispositivo em questão, destacando que a simples automação de uma máquina não a torna, necessariamente, um robô.
O SISTEMA DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO
A evolução histórica do Sistema da Seguridade Social brasileiro demonstra que sua estrutura vigente é produto de um processo contínuo de reformas e ajustes, moldado por fatores sociais, econômicos e políticos ao longo do tempo. Com a ocorrência da estatização do sistema previdenciário, nota-se um marco fundamental nesse processo. Contudo, os primórdios do sistema podem ser observados em iniciativas anteriores, evidenciando uma trajetória marcada pela busca por maior proteção social para os trabalhadores.
A análise comparada de diversos sistemas jurídicos revela que a proteção social, em sua fase inicial, apresentava um caráter predominantemente assistencial e beneficente, sendo exercida, sobretudo, no âmbito familiar. “A família, como instituição básica da sociedade, sempre ofereceu auxílio às pessoas de seu núcleo que precisam de socorro’’ (GARCIA, GUSTAVO 2024, p. 11).
A institucionalização de mecanismos mais complexos e abrangentes de proteção social, como os sistemas previdenciários e assistenciais, representa uma evolução histórica marcada pela busca de maior equidade e justiça social.
Havia nessa época, ainda, associações beneficentes e organizações de natureza mutualista, como o Montepio Geral de Servidores do Estado (1835). Garcia, Gustavo Filipe Barbosa Curso de Direito Previdenciário: Seguridade Social. 8. ed. – São Paulo, 2024.
No Brasil a assistência social está ligada diretamente ao século XVI, com a criação e o estabelecimento das Santas Casas de Misericórdia que demonstram a evolução histórica das práticas de proteção social no país, caracterizadas por um forte componente religioso e assistencial. A partir dessa primeira iniciativa, a assistência social passou por um processo de institucionalização e expansão, culminando na criação de um sistema de proteção social mais abrangente.
Conforme expressa Ieda Maria Alves (2010), a história da assistência social no Brasil está intrinsecamente ligada à história da Igreja Católica, que por meio das Santas Casas de Misericórdia instituiu as primeiras formas de atendimento aos pobres e enfermos. “Havia nessa época, ainda, associações beneficentes, e organizações de natureza mutualista, como o Montepio Geral de Servidores do Estado” (GARCIA, GUSTAVO 2024, p. 13). Essa forte influência religiosa moldou os valores e práticas da assistência social por muitos anos.
Em 1923, foi instituída a Lei Eloy Chaves que determinou a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões para os empregados ferroviários, estabelecendo o marco inicial da proteção social obrigatória no país. “Posteriormente, surgiram muitas outras caixas, mas sempre atreladas à ideia de mutualismo, pois vinculadas a certas categorias profissionais ou grupos de empresas” (VIANA, JOÃO 2024, p. 10). Essa legislação, ao impor às empresas a criação de fundos específicos para a concessão de benefícios previdenciários, como aposentadorias e pensões, configurou um avanço significativo na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988, ao sistematizar os direitos sociais, conferiu à Previdência Social o status de direito fundamental, consolidando as conquistas obtidas ao longo da história e estabelecendo um sistema de proteção social baseado no princípio da solidariedade, além disso “assegurou direitos até então não previstos, por exemplo, a equiparação dos direitos sociais dos trabalhadores rurais com os dos trabalhadores urbanos, nivelando-os pelos últimos” (CASTRO, CARLOS 2022, p. 64), reafirmando a natureza contributiva do sistema.
Dessa forma, podemos destacar que a introdução da Seguridade Social na Constituição Federal trouxe uma grande mudança nos direitos sociais. Essa mudança permitiu uma abordagem integrada da seguridade social, avançando na ideia de assistência social como um direito social em igualdade com a saúde e a previdência A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a arrolar e dar sistematização a um conjunto de direitos sociais, no que foi seguida pela Constituição de Weimar, no ano de 1919. Em seu artigo 161 descreveu que: O império promoverá a criação de um sistema geral de segurança social, para conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, proteção da maternidade e prevenção de riscos de idade, da invalidez e das vicissitudes da vida. Castro, Carlos Alberto Pereira, Direito Previdenciário. 3. ed. – Rio de Janeiro, 2023..
Salienta-se que os avanços na proteção social, configurou a institucionalização do Sistema único de Saúde (SUS), estabelecendo a saúde como direito social fundamental acessível a todos os cidadãos, independentemente de qualquer contribuição e garantindo a universalidade e integralidade da assistência.
Com o advento da Emenda Constitucional nª 20/98, podemos observar algumas alterações importantes, dentre elas destaca-se a instituição de idades mínimas para a aposentadoria de servidores públicos e a ampliação da base de cálculo das contribuições previdenciárias, incidindo sobre a receita bruta das empresas. A Emenda também estruturou o sistema previdenciário em três regimes distintos: o regime geral, aplicável à maioria dos trabalhadores, o regime próprio, destinado aos servidores públicos, e o regime complementar, facultativo e destinado àqueles que desejam uma aposentadoria mais elevada.
O sistema de financiamento da previdência social, estabelecido pela Lei nº8.212/91, apresenta uma estrutura que vincula excessivamente a arrecadação tributária à remuneração do trabalhador e à folha de pagamento das empresas, demonstrando uma fragilidade diante das transformações do mercado de trabalho, como é o caso da automatização que traz como consequência a redução de postos de trabalho, comprometendo a sustentabilidade do sistema previdenciário a longo prazo.
A emenda Constitucional nº 41/2003, ao reformar os Regimes Próprios de Previdência Social, estabeleceu novas regras para a concessão de benefícios, extinguindo os direitos à integralidade e à paridade, anteriormente garantidos aos servidores públicos. A reforma autoriza os entes federativos a instituírem contribuições para aposentados e pensionistas sobre valores que excedam o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), prevendo regras especiais para casos de doença incapacitante.
Ademais, a emenda permitiu a criação de regimes complementares de previdência, alinhando seus tetos de proteção ao RGPS e simplificando a administração previdenciária, dispensando a necessidade de lei complementar federal para sua instituição.
Com a emenda Constitucional nº 103/2019 foi realizada uma profunda reforma no sistema previdenciário, alterando significativamente as regras de acesso aos benefícios. A reforma estabeleceu novas idades mínimas para a aposentadoria, tanto para servidores públicos quanto para segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e modificou o cálculo dos benefícios e as regras de contribuição.
OS IMPACTOS DA 4ª REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA SEGURIDADE SOCIAL
A 4ª Revolução Industrial, termo cunhado por Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial (World Economic Fórum), é caracterizada pela convergência de tecnologias digitais, biológicas e físicas, impactando todas as disciplinas, economias e indústrias, e até mesmo desafiando ideias sobre o que significa ser humano.
No decorrer da história as revoluções industriais possuíam como característica a mecanização dos postos de trabalho A mecanização do trabalho é a substituição de tarefas humanas por máquinas e sistemas automatizados, visando maior eficiência, rapidez e precisão. Contudo, isto não gerava grandes problemas devido à baixa complexidade e a não necessidade de conhecimentos técnicos específicos para o exercício de outras atividades que ainda demandavam mão de obra. Logo, ocorria apenas uma migração laboral do empregado, que em virtude disso conseguia se readequear às mudanças ocorridas e se realocar no mercado de trabalho.
Ou seja, as revoluções industriais ocorridas não resultaram em um aumento da taxa de desemprego, argumento afirmado por D. H. Autor (2015) “Claramente, os últimos dois séculos de automação e progresso tecnológico não tornaram o trabalho humano obsoleto: a proporção de emprego em relação à população aumentou durante o século 20, mesmo quando as mulheres se mudaram de casa para o mercado; e embora a taxa de desemprego flutue ciclicamente, não há aumento aparente de longo prazo.” (D. H. Autor, 2015)..
Quebrando este paradigma, a 4ª Revolução Industrial impulsiona a substituição da força de trabalho humana pela automatização Considera-se automação o método pelo qual se utilizem quaisquer equipamentos, mecanismos, processos ou tecnologias para realização de trabalho, ou para seu controle, com reduzida ou nenhuma interferência humana.
por máquinas/robôs, fato ocorrido nas revoluções anteriores, no entanto, traz à tona a “Era da Especialização” introduzindo diversas tecnologias e a necessidade de elevado grau de especialização para exercer os novos postos de trabalho. Destaque para o argumento sustentado pelo Professor Marcelo Fernando Borsio a respeito deste tema:
“Um dos principais impactos sociais que podem surgir com a indústria 4.0 diz respeito a sua repercussão no mercado de trabalho, uma vez que a inovação tecnológica poderá representar a substituição do homem pela máquina, diante da utilização da inteligência artificial, bem como em decorrência da necessidade de das pessoas se aperfeiçoarem para lidar com as novas tecnologias e garantir sua empregabilidade, o que faz dessa exigência maior de qualificação, juntamente com o envelhecimento populacional, um dos maiores desafios no campo social. Nesse contexto, o impacto no número de empregos é um dos mais controversos e polêmicos efeitos da quarta revolução industrial.” (BORSIO, 2021, pp. 52072-52082)
A perda dos postos de trabalho devido à substituição da mão de obra humana pela automação, propiciada pelos robôs, têm como consequência um aumento do limiar mínimo de pobreza, juntamente com a progressiva precarização e destruição dos postos de trabalho e uma futura impossibilidade de incorporação no mercado.
Deste modo, o trabalhador que antes conseguia se reorganizar frente às transformações ocorridas encontra-se desamparado, devido à perda de seu ofício, e impossibilitado de realocar-se no mercado, por conta das altas exigências técnicas.
Em estudo realizado pelo Laboratório do Futuro (UFRJ), intitulado “O futuro do emprego no Brasil: Estimando o Impacto da Automação”, onde foram analisadas mais de 2.500 ocupações, desde trabalhos manuais e repetitivos até trabalhos de elevado grau de especialização, concluiu que cerca de 60% dos trabalhadores brasileiros ocupam funções que irão experimentar elevado impacto pela automação As profissões mais afetadas serão aquelas consideradas com baixa complexidade, mais rotineiras, mas devido ao avanço da Inteligência Artificial, Softwares de Automação, Machine Learning, Deep Learning e muitos outros graus de tecnologia, profissões consideradas de grande complexidade, Medicina, Advocacia, Contabilidade, poderão sofrer com a possível substituição dos postos de trabalhos..
O mesmo estudo indica que os grupos sociais mais vulneráveis serão os mais impactados.
Desta forma, além de terem seus empregos aniquilados por máquinas, terão de enfrentar uma readaptação para regressar ao mercado de trabalho.
Em um estudo similar, desenvolvido pela McKinsey Global Institute, concluiu-se que mais de 50% das ocupações do Brasil já poderiam ser automatizadas utilizando tão somente a tecnologia atualmente disponível Outro ponto relevante é a substituição de obras artísticas criadas essencialmente por humanos, devido à estimada complexidade, serem criadas de maneira quase que industrial por inteligências artificiais. Isto tem gerado uma grande discussão sobre a ética na criação de obras artísticas, já que até mesmo cantores e pintores podem ter seu ofício aniquilado..
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), também conhecida como "Constituição Cidadã", prevê em seu art. 7º, inciso XXVII, a proteção ao trabalhador em face da automação (Brasil, 1988).
Entretanto, mesmo após 35 anos, o que deveria ser um conjunto de garantias mínimas de tutela do empregado, para assegurar um trabalho com valores sociais, encontra-se sem eficácia na Constituição Federal, pois, até o momento, não existe norma regulamentadora que torne essa garantia fundamental efetiva.
Durante este período houve a propositura de 11 projetos de lei, analisados tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado, porém, 10 deles foram arquivados. O mais recente, Projeto de Lei 1091/2019, apresentado em 25 de fevereiro de 2019 pelo ex-deputado federal Wolney Queiroz, propõe que as empresas que optarem pela automação de suas atividades negociem com os trabalhadores impactados pela mudança. A proposta também determina que demissões em massa sejam proibidas e, caso um trabalhador seja dispensado devido à automação, deverá receber o valor da rescisão trabalhista em dobro.
A proposta que mais prosperou dentre as 11 apresentadas desde 1988, foi a do então senador na época Fernando Henrique Cardoso, em 1991. A proposta foi aprovada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, com um texto substitutivo do relator, e enviada para a Câmara dos Deputados. Lá, outros oito projetos correlatos foram apensados à proposta de FHC, para tramitar em conjunto. Depois de passar por três comissões e ser analisada por diferentes relatores ao longo de 17 anos, as propostas foram rejeitadas e arquivadas em 2009.
A insurgência contra a inação do Legislativo tem chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 73, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Na ação, a PGR argumenta que não há lei sobre o tema e pede que o STF fixe um prazo razoável para que o Poder Legislativo regulamente esse direito Segundo a Procuradoria-Geral da República, a automação pode ser entendida como o uso de máquinas e robôs para o desempenho de certas atividades no sistema produtivo, em substituição (parcial ou total) ao trabalho humano. E, em relação ao Brasil, cita estudo de 2017 da Consultoria McKinsey que estimou a perda de até 50% dos postos de trabalho em razão da automação e da utilização da tecnologia da informação e da inteligência artificial. Essa situação, a seu ver, exige a adoção de providências legislativas para proteger os trabalhadores diante desse fenômeno inevitável..
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), interessada no processo, na condição de amicus curiae O amicus curiæ (Amigo da Corte) é um terceiro que intervém em processos judiciais a fim de fornecer informações adicionais e relevantes aos juízes da causa.
, defende a necessidade de regulamentação. De acordo com o seu representante, não se busca o retrocesso dos meios tecnológicos adotados no mercado de trabalho, mas o debate e a regulamentação dos padrões e das políticas de proteção ao trabalho humano, sob pena de permitir demissões em massa, contribuir para a precarização da mão de obra e para o colapso do sistema de seguridade social do país.
Para compreendermos os impactos acarretados pela 4ª Revolução Industrial precisamos entender o que é seguridade social.
Em seu Título VIII a CF/88 trata sobre a ordem social A ordem social é um conjunto de normas, instituições e costumes que regulam a vida das pessoas e as suas relações. O seu objetivo é garantir a justiça social, a inclusão e a melhoria da qualidade de vida da população. , estabelecendo como o base o primado do trabalho O primado do trabalho é um princípio da ordem social, presente na Constituição Federal, que valoriza o trabalho e estabelece que o acesso à renda só é possível por meio da inserção no mercado de trabalho. e como objetivo o bem-estar e justiça sociais, determinado no artigo 193 (Brasil, 1988).
Isto é, a primazia pelo trabalho é a base da ordem social. Visto que, ao trabalhar e receber a devida remuneração pelo serviço prestado o trabalhador não irá depender do Estado, uma vez que, por conta própria, conseguirá garantir saúde, educação, previdência social, dentre outros direitos.
O bem-estar social previsto como objetivo da ordem social traz a ideia de colaboração, ou seja, sentido de solidariedade “O princípio da solidariedade, que possui como pressuposto a solidariedade entre os membros de uma comunidade, visa estabelecer o bem-estar de toda a coletividade, protegendo todos os membros de uma sociedade por intermédio de ações coletivas de compartilhamento dos frutos do trabalho, bem como a contribuição de cada um dos indivíduos em favor da sociedade, de modo a viabilizar um sistema de proteção universal. Trata-se, pois, de um movimento de todos os membros da sociedade em favor de uma minoria que necessita de proteção.” BORSIO, 2021, pp. 52072-52082 (apud CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, 2016, p.44).
, que é a base de todo o sistema securitário. Deste modo, passamos de um estado liberal, onde os indivíduos correm atrás dos seus direitos, cabendo ao Poder Público apenas a segurança dos seus cidadãos e a organização do Poder Judiciário, para um estado do bem-estar social, onde direitos sociais passam a ser garantidos pelo Estado, como é o caso da saúde, assistência social e previdência social.
Por outro lado, a justiça social é um objetivo de desenvolvimento nacional, sendo verdadeira diretriz de atuação para os governantes, cujo intuito é a distribuição de riqueza nacional. Devendo observar os princípios do sistema securitário, tais quais como o princípio da seletividade A seletividade leva em consideração os riscos ou necessidades de maior abrangência social que merecerão cobertura da seguridade social e a definição dos benefícios e serviços adequados para fazerem frente a esta cobertura. e distributividade A distributividade visa balizar quais as populações poderão ter acesso a estes benefícios e serviços, na medida da necessidade de cada um. Quanto maior a necessidade, maior será a cobertura dos benefícios e serviços da seguridade social. na prestação dos benefícios e serviços, além dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no art. 3º, II e III da CF/88, que sejam a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais (Brasil, 1988).
Nesse contexto de ordem social, que se refere ao bem-estar social e a justiça social, encontramos o conceito de seguridade social, previsto no art. 194, caput, da CF/88, vejamos:
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (Brasil, 1988, Título VIII, art. 194, caput).
Ao examinar o conceito mencionado, destaca-se novamente a ideia de solidariedade.
Tendo em vista a importância do trabalho para a ordem social, consequentemente para a seguridade social, é perceptível o grande impacto que possíveis alterações nas relações trabalhistas, decorrentes da 4ª Revolução Industrial, podem influenciar na garantia de direitos aos cidadãos.
As transformações tecnológicas proporcionadas pela 4ª Revolução Industrial são, antes de tudo, ferramentas feitas de pessoas para pessoas. Assim, é fundamental a adoção de diversas medidas para readequar o sistema de seguridade social, visando melhorar a educação e formação de novos trabalhadores, tendo em vista que as profissões mais afetadas serão aquelas pouco qualificadas e com pouco valor acrescentado, o que exigirá doses especiais de formação e reciclagem.
A presente discussão é de suma importância, visando até mesmo em atingir algumas das metas de Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um conjunto de 17 objetivos e 169 metas estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015. O objetivo é alcançar até 2030 um mundo mais sustentável, inclusivo e próspero, sem deixar ninguém para trás. da Organização das Nações Unidas (ONU). Especificamente a erradicação da pobreza (ODS 1.3) “1.3 Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis.” (ONU, 2015). , a garantia de saúde e bem-estar a todos (ODS 3.8) “3.8 Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos.” (ONU, 2015). e promoção do trabalho decente e crescimento econômico (ODS 8.5) 8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor.” (ONU, 2015)..
DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL QUE PODE SER GERADO PELA AUTOMAÇÃO: O DESFINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL
Até 1988, o sistema de proteção social no Brasil seguia o modelo de seguro social contributivo e obrigatório, que abrangia apenas o trabalho formal, deixando de fora uma grande parcela de trabalhadores informais. A partir da Constituição Federal (CF) de 1988, no capítulo sobre a ordem social, foi introduzido o conceito de seguridade social, englobando as políticas de saúde, previdência e assistência social. O sistema de proteção social brasileiro combina características do modelo bismarckiano O modelo bismarckiano foi criado na Alemanha, na segunda metade do século XIX, e se caracteriza como um sistema de seguro social, no qual o acesso depende do pagamento prévio de contribuições por empregados e empregadores. Inicialmente, era destinado a determinadas categorias profissionais, sob a administração do Estado. As contribuições garantiam direitos como aposentadoria e outros benefícios em casos de situações de risco.
e do modelo beveridgeano O modelo beveridgeano, nascido na Inglaterra, na década de 40, vai além da lógica do seguro social, envolvendo uma relação de trabalho. Seu foco é o cidadão e considera a assistência e os serviços sociais universais como direitos sociais.
, especialmente no que diz respeito à previdência social .
Tendo em vista que a principal forma de financiamento do sistema de seguridade social possui como sujeito ativo a pessoa humana, seja na qualidade de trabalhador ou filiado, seja em outras qualidades, como trabalhador autônomo - conforme se preceitua no artigo 195, inciso I, alínea “a” e inciso II, da CF/88 (Brasil, 1988).
O impacto trazido por um esgotamento da base de financiamento devido à perda do contribuinte seria enorme para o custeio da seguridade social.
Aliás, a automação/perda dos postos de trabalho em um país tão marcado por sucessivas crises econômicas, e um crescente índice de informalidade. Tem como resultado a necessidade premente da ação estatal, a fim de que o governo assegure direitos sociais fundamentais em benefício da população.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego no Brasil foi de 6,6% no trimestre encerrado em agosto de 2024, menor taxa de desocupação para o mês de agosto desde 2012. Todavia, segundo a mesma pesquisa o país registrou uma taxa de informalidade de 38,8% no mercado de trabalho durante o mesmo período, se comparado ao ano anterior o contingente de trabalhadores informais aumentou em 842 mil pessoas, alta de 2,2%. Ou seja, essas 842 mil pessoas que prestam serviços fora da relação de emprego, ficando excluídas dos direitos sociais fundamentais atreladas à mesma, bem como não prestam a devida contribuição para o custeio da seguridade social, ocasionando um desfinanciamento na prestação de direitos ligados a esta.
Ademais, conforme o Orçamento da Seguridade Social O Orçamento da Seguridade Social tem como objetivo separar e dar visibilidade às contribuições sociais destinadas ao financiamento das políticas de Saúde, Previdência Social do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Assistência Social.
, em 2021, a União arrecadou R$ 928,98 bilhões a título de contribuições sociais para o financiamento das despesas da seguridade social, as quais somaram R$ 1.147,00 bilhões (13,22% PIB). O déficit global do orçamento da seguridade social atingiu R$ 218,03 bilhões (2,51% PIB).

Ou seja, o gasto público com seguridade é maior que a quantia arrecadada pelo Estado para custear essas despesas, gerando déficit Em contabilidade, é um excesso de pagamentos em relação às receitas. Nas finanças públicas, fala-se em déficit orçamentário quando as despesas são superiores à arrecadação, e em déficit da balança comercial quando o valor total das importações é superior ao total das exportações. Nas contas do governo, o déficit pode ser considerado déficit primário (inclui as receitas e as despesas do governo, não consideradas as financeiras) e déficit nominal (que considera também as financeiras)..
Além de pensar em formas de diminuir o déficit e aumentar a arrecadação para custear a seguridade social, é importante pensar como será feita a adaptação/realocamento dos grupos sociais que têm maior dificuldade para se adaptar frente às novas ocupações promovidas pela automação, como mulheres, jovens, trabalhadores de baixa renda e, especialmente, aqueles com baixa escolaridade.
De acordo com estudo realizado pelo Laboratório do Futuro (UFRJ), intitulado “O futuro do emprego no Brasil: Estimando o Impacto da Automação”, quanto maior o grau de escolaridade menor é a probabilidade de ser afetado pela automação.

De acordo com o mesmo estudo, os três setores mais afetados serão a Agricultura, Silvicultura, Pesca e Caça (79%), Comércio (75%) e Manufatura (74%). O setor menos afetado é a Administração Pública (48%).

Percebe-se que os setores mais afetados são aqueles considerados com baixa complexidade, mais rotineiros.
Destarte, o empregador/empresa que optar pela automação terá uma grande redução de custos, tendo em vista a dispensa da necessidade de pagamento de salários, decorrentes da contraprestação da força de trabalho entregue pelo empregado. Já que apenas irá precisar de arcar com a aquisição, amortização e depreciação, reparação e, posteriormente, a substituições dos robôs.
Decorrente dessa automação o empregador absorverá uma parte significativa dos rendimentos, tradicionalmente pagos a título de salários, e, consequentemente deixará de contribuir para a Seguridade Social, dado que a maior parte da arrecadação está na folha salarial do empregado humano.
Essa mudança trazida pela automação dos postos de trabalho, pode acarretar diversos e graves problemas aos cofres públicos, ameaçando a própria sustentabilidade financeira do Estado.
De acordo com o artigo A Tributação de “Robôs” e o Futuro do Trabalho: O Papel da Norma Tributária Face à Automação, de Saulo Nunes Almeida e Raymundo Juliano Rego Feitosa, é elencada uma correlação estimando o desequilíbrio fiscal a médio e longo prazo trazido pela automação.
O primeiro impacto seria no âmbito das despesas públicas, visto que em um contexto de crescente automação e substituição do trabalho humano por máquinas, o governo precisará alocar uma quantidade significativa de recursos para atender ao aumento dos gastos com benefícios sociais, como o seguro-desemprego e o salário-família. Tal ação é necessária para garantir os direitos fundamentais das pessoas em meio à intensificação do desemprego e do subemprego.
O segundo está no fato de que pessoas desempregadas tendem a restringir o seu consumo de bens e serviços, limitando-se apenas ao estritamente essencial, como os alimentos. As mudanças nos hábitos de consumo originam um efeito dominó que, além de afetar diversos aspectos da economia, provoca um impacto imediato e significativo na arrecadação das receitas tributárias, tanto diretas quanto indiretas. Essa diminuição na atividade econômica repercute em diferentes segmentos da cadeia de produção, levando a uma redução substancial na arrecadação do governo.
A terceira implicação relaciona-se com o fato de que o atual sistema tributário está bastante ligado ao vínculo de emprego humano. Por exemplo, a folha de pagamento está sujeita a diversos tributos, que englobam desde múltiplas contribuições sociais até o imposto de renda da pessoa física. Desta maneira, com a crescente taxa de desemprego, ocasionada pela automação dos postos de trabalho, essa fonte de receita estatal seria drasticamente reduzida, deixando de ser recolhida justamente em um momento de mais necessidade por recursos.
Por último, o óbvio aumento de gastos com benefícios sociais. Tal circunstância não apenas pressionaria as finanças públicas, exigindo o direcionamento de mais recursos para atender a crescente demanda por assistência social, como também revelaria uma contradição estrutural. Uma vez que haveria diminuição da arrecadação tributária devido ao desemprego e à precarização do trabalho, e consequentemente a necessidade de aumento em investimentos de programas de proteção social, já que mais cidadãos dependeriam de apoio governamental para suprir as necessidades básicas. Essa dinâmica pode resultar em um déficit fiscal significativo, dificultando a capacidade do Estado de equilibrar suas contas e de garantir a sustentabilidade de suas políticas públicas em um cenário de crise econômica.
Segundo o Censo 2022, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil registrou 2,54 milhões de nascimentos, uma queda de 3,5% na comparação com 2021, chegando ao menor patamar desde 1977. Em contrapartida, o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em doze anos. Já a população idosa com 60 anos ou mais chegou a 32,1 milhões de pessoas, 15,8% da população do país. O aumento é de 56% em relação a 2010, quando era de 20,5 milhões (10,8%). Ainda de acordo com o Censo, a idade média da população brasileira aumentou seis anos desde 2010 e passou de 29 para 35 anos em 2022.

Ou seja, há uma diminuição da taxa de natalidade aliada a um crescente envelhecimento da população brasileira, que com os avanços tecnológicos na área da saúde, com a melhoria dos hábitos de higiene e alimentação, tem aumentado a expectativa média de vida. Portanto, haverá cada vez menos pessoas ingressando no mercado de trabalho e cada vez mais pessoas em idade de reforma, necessitando da seguridade social. Em relação a esse grave problema para o custeio da seguridade social, destacam-se os ensinamentos do Professor Marcelo Fernando Borsio, especialmente sobre a previdência social:
“As mudanças na pirâmide etária são um grande desafio para o futuro da sociedade, em especial, para Previdência Social, uma vez que a lógica do princípio da solidariedade, bem como o pacto intergeracional, ou seja, trabalhadores em atividade custeando o benefício dos segurados que já se encontram aposentados, acabam por ficar desequilibrados. A transição demográfica traz como consequência inevitável o aumento das despesas da previdência social, isso em virtude do envelhecimento da população, do aumento da expectativa de sobrevida e, ainda, pelo baixo índice de natalidade. Nesse contexto, caso não sejam adotadas medidas visando alterar as atuais condições do sistema, em especial no que diz respeito às fontes de custeio, sem que seja feita uma adequação à nova realidade demográfica, com o crescimento real dos gastos previdenciários em proporção ao PIB, o sistema previdenciário, inequivocamente, se tornará inviável.” (BORSIO, 2021, pp. 52072-52082)
Essas situações não apenas comprometem a capacidade do Estado de financiar políticas públicas, mas também agravam a crise econômica, criando um ciclo vicioso que dificulta a recuperação.
Eduardo López Ahumanda (2023) e Carlos Javier Galán (2019), afirmaram que a presença de empresas digitais deslocará empregos devido ao uso de robôs e, com isso, inúmeros contribuintes para os sistemas previdenciários desaparecerão, portanto, uma das preocupações atuais e futuras em regiões como a América Latina será o desfinanciamento da previdência social. portanto, os Estados devem repensar e reajustar, quem e como, devem contribuir para a sustentabilidade.
Assim, pensar em uma rede de proteção social eficaz se torna um imperativo, não apenas para mitigar as consequências econômicas adversas da automação dos postos de trabalho, mas também para promover a justiça social e a estabilidade econômica em um ambiente de trabalho em rápida mudança.
Diante da inevitável automação da mão de obra humana, urge a necessidade da sociedade se adaptar a esta nova problemática.
TRIBUTAÇÃO X INICIATIVA PRIVADA
Embora a livre iniciativa seja um princípio fundamental do ordenamento jurídico, não se configura como um direito absoluto A iniciativa privada também é chamada para atuar na assistência social, visto que, nos termos do artigo 204 da Constituição, as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no artigo 195 (...). VIANA, João Ernesto Aragonés Curso de Direito Previdenciário, São Paulo, 2007. A Constituição Federal, ao consagrá-la, estabeleceu um equilíbrio entre a liberdade econômica e a proteção dos interesses sociais.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu as estruturas de nossa Ordem Econômica em seu artigo 170, responsável em consagrar que a propriedade privada e livre iniciativa devem se manifestar apenas quando fundadas na valorização do trabalho humano, existência digna, justiça social entre outros relevantes valores que indicam um modelo de capitalismo humanista (ALMEIDA; FEITOSA, 2020, p.16)
Segundo Junior Feraz (1989) trazer o reconhecimento da livre iniciativa como fundamental é valorizar a liberdade como um dos requisitos essenciais da ordem, destacando a autonomia do ser humano.
Realizando uma análise sobre a ótica da ordem econômica, podemos visualizar que a livre iniciativa e a proteção ao trabalho podem ser opostas, visto que, se a livre iniciativa garante ao individuo essa autonomia a valorização do trabalho pode ser vista como uma objeção a liberdade de atuação.
Nesse contexto, a valorização do trabalho não se limita a funções meramente produtivas. Como uma atividade associada às condições humanas o trabalhado vai além da simples criação de riquezas, onde reduzir o trabalho a um simples meio para alcançar fins econômicos é desconsiderar sua importância para a realização pessoal e social do indivíduo. Todavia a livre iniciativa, baseia-se, primeiramente na propriedade e na aquisição de bens, atuando diretamente nas dinâmicas do mercado de trabalho.
Com isso, diante das experiências históricas são demonstradas a necessidade de uma intervenção estatal para regular o mercado de trabalho e garantir que a livre iniciativa seja exercida de maneira que promova o bem-estar e justiça social, que sem uma adequada regulação, pode gerar uma gama de desigualdades sociais comprometendo o desenvolvimento econômico sustentável.
No entanto, diante a automação surge a seguinte questão: qual será o futuro do trabalhador e da iniciativa privada diante desse processo?
Como o Direito tributário tem como objetivo principal a arrecadação de recursos para o Estado não sendo instrumento para a imposição de sanções, é importante considerar que, se a tributação sobre robôs for implementada sua arrecadação não poderá ter como finalidade a efeitos colaterais negativos que uma atividade de produção ou consumo pode causar a terceiros, ou seja, a uma parte externa à atividade
correção de externalidade negativas decorrentes da automatização, podendo resultar em um desincentivo à inovação tecnológicas penalizando indevidamente os agentes econômicos que realizas esses investimentos. É fundamental que a política tributária seja desenhada para promover a inovação e a competitividade, sem comprometer a arrecadação necessária
Considerando que a relação entre trabalho e iniciativa privada é de interdependência mútua, sendo ambas indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social, a solução para externalidades econômicas geradas pela automação não pode ser realizada de forma impositiva a um setor em detrimento do outro. Sendo assim, é fundamental analisar se os benefícios da automatização serão distribuídos de forma equitativa entre todos os membros da sociedade, evitando a concentração de renda e a exclusão social.
Em contrapartida o A função social da empresa e, antes disso, a noção de finalidade social dos direitos subjetivos são discussões que se inserem no contexto de crítica e superação do formalismo e individualismo exacerbados do Estado Liberal, quadro que possibilitou, a partir do final do século XIX e início do século XX, maior discussão acerca da intersubjetividade das relações jurídicas e da reaproximação do direito com a moral e a justiça. Disponível: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/222/edicao-1/funcao-social-da-empresa Acesso em 15 nov. de 2024
princípio da função social da empresa, consagrado na Constituição Federal, impõe às empresas a obrigação de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país. Nesse sentido, em momentos de crise no mercado de trabalho, as empresas não podem se limitar à maximização do lucro, devendo adotar medidas que minimizem os impactos sociais negativos, como a promoção de programas de qualificação profissional e a criação de novas oportunidades de emprego.
A automatização, embora modifique o cenário do trabalho, não deve ser vista como algo negativo. A função social das empresas nesse contexto é garantir que os avanços tecnológicos beneficiem toda a sociedade. A livre iniciativa, pilar fundamental da ordem econômica, é imprescindível para o dinamismo e a inovação da economia. Ao exercer sua liberdade econômica, as empresas devem ter em mente que sua atividade impacta a sociedade como um todo. A função social da empresa, portanto, não é um entrave à livre iniciativa, mas sim uma condição para seu exercício responsável e duradouro.
SOLUÇÕES EMBRIONÁRIAS À SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHADOR HUMANO PELA AUTOMAÇÃO
A onda crescente de automação gerou nos principais estudiosos do mundo a necessidade de rever a política fiscal aplicada nos diversos ordenamentos jurídicos. O atual sistema fiscal, inspirado fortemente pelo arquétipo previdenciário Bismarkiano, foi feito para tributar, primordialmente, os trabalhadores humanos e a renda produzida por eles (art. 195, I, b e II da Constituição Federal de 1988), não sendo preparado para a tributação em trabalhadores não humanos, tais como os robôs. Assim, em que pese os avanços econômicos e de produção introduzidas pela 4ª revolução industrial (SCHWAB, 2016), SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2019.
existe a problemática exposta acima sobre os impactos da substituição da mão de obra nos sistemas de seguridade social.
Apesar de ser uma problemática emergente, diversos países têm iniciado discussões, ainda que superficiais, sobre a necessidade de tributar a automação. Um marco importante nessa discussão ocorreu na União Europeia em 2017 quando o Parlamento Europeu editou, pela primeira vez, um relatório Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2017-0051_PT.html. Acesso em 05/10/2024.
, que analisou as oportunidades e desafios introduzidos através das máquinas. Tal relatório tinha como foco principal a recomendação de uma futura legislação no âmbito da União Europeia (UE), com vistas a garantir a segurança e o melhor crescimento econômico em decorrência da automação. O relatório propôs à UE que os robôs fossem tratados como “pessoas eletrônicas”, isto é que adquiram uma personalidade jurídica para que seja possível atribuir-lhes responsabilidade civil em caso de danos causados, de forma a garantir segurança jurídica aos cidadãos, consumidores e empresas. O parlamento propôs ainda a instituição de um regime de seguro obrigatório para Consiste em um seguro compulsório pago pelos proprietários das máquinas a fim de cobrir os danos potencialmente causados pelos seus robôs. Tal seguro poderia garantir aos donos, fabricantes e programadores uma responsabilidade limitada em caso de danos que eventualmente possam ser causados pelos robôs.
segurar os atos praticados por robôs, sendo complementado por um fundo de garantia da reparação de danos nos casos não abrangidos por qualquer seguro.
A resolução em análise alerta ainda que se o desenvolvimento do trabalho por robôs continuar crescendo, surgirão preocupações acerca do emprego e dos sistemas de seguro social, além de que potencializaria uma crescente concentração de riqueza e desigualdade social, assim, o poder aquisitivo estará concentrado nas mãos de uma minoria que não teve seu trabalho substituídos por IA ou robôs. Tendo em vista tal preocupação, houve a propositura de uma alteração na política fiscal para que sejam tributados os robôs quando se inserem no mercado ou que seja feito o pagamento de contribuições periódicas durante o tempo de vida do robô. Essa proposta, entretanto, foi rejeitada pelo parlamento sob a justificativa de sufocar o desenvolvimento tecnológica e a inovação.
Em que pese a rejeição da proposta dos legisladores europeus, a ideia de tributar a mão de obra robô produziu apoio por parte de figuras internacionalmente conhecidas, tais como o bilionário Bill Gates, que em uma entrevista ao site Quartz defendeu que a ideia do parlamento europeu fosse aplicada aos Estados Unidos da América e que a tributação dos robôs fosse utilizada como forma de retardar o avanço desenfreado da automação, podendo inclusive financiar outros tipos de emprego.
Hoje, se um humano produz uma receita de US$ 50 mil numa fábrica aquele montante é taxado; se um robô é capaz de fazer a mesma coisa, seu trabalho deve recolher impostos na mesma proporção. (GATES, 2017)
Com isso, diversos outros países começaram a estudar qual seria a melhor forma de tributar a automação sem gerar resistências à inovação. Pode-se dizer que a Coreia do Sul, em agosto de 2017, foi o primeiro país a concretizar tal conceito, implementando em sua política fiscal o chamado Korea Times. South Korea's robot tax proposal sparks debate. The Korea Times, 9 ago. 2017. Disponível em: https://www.koreatimes.co.kr/www/news/tech/2017/08/133_234312.html. Acesso em: 04/10/2024.
“imposto sobre robôs”. Apesar do nome, não se trata de um imposto propriamente dito, vez que é uma política fiscal de redução de deduções de impostos dadas a empresas que pratiquem inovações tecnológicas, ou seja, o “tributo” tem finalidade de preservar os trabalhadores humanos através da redução de incentivos fiscais em tecnologia da informação. Segundo jornal “The Korea Times”, a administração coreana de Moon Jae-in buscou implementar a supracitada política tributária para reduzir os benefícios de dedução de impostos concedidos por governos anteriores às corporações que invistam em automação durante o processo produtivo até o final do ano de 2017, porém, em decorrência da desenfreada automação nas indústrias, estendeu a redução até o ano de 2019.
Estes estudos, apesar de avançarem na discussão, não são pacificados e entendidos como a melhor opção. Em sentido contrário está a A Federação Internacional de Robótica (International Federation of Robotics) é uma organização sem fins lucrativos que visa conectar o mundo da robótica ao redor do mundo e informar sobre os benefícios positivos dos robôs, bem como promover a investigação, desenvolvimento, utilização e a cooperação internacional no campo da robótica.
Federação Internacional de Robótica , que entende que a tributação sobre os robôs pode desencadear uma redução da inovação tecnológica, o qual seria prejudicial para uma concorrência adequada. No mesmo sentido, alertou o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers:
Um imposto suficientemente alto sobre robôs impediria que eles fossem produzidos” (SUMMERS, 2017) Lawrence Summers, ex-secretário de tesouro do governo Barack Obama, se opôs a ideia de tributação os robôs por entender que o imposto tem o condão de sufocar a inovação, alegando ainda que a proposta feita privilegia serviços tecnológicos já consolidados e impede o avanço de novas tecnologias. Artigo disponível em: https://www.washingtonpost.com/opinions/picking-on-robots-wont-deal-with-job-destruction/2017/03/05/32091f08-004b-11e7-8ebe-6e0dbe4f2bca_story.html. Acesso em: 04/10/2024..
Embora haja divergência, tornou-se relevante a necessidade de discutir as alternativas passíveis de frear os diversos problemas sociais, trabalhistas e previdenciários que podem ser causados pela substituição do trabalhador humano. A seguir destacaremos as mais influentes opções dadas pelos tributaristas.
REDUÇÃO DAS DEDUÇÕES FISCAIS PARA EMPRESAS QUE INVISTAM EM TECONOLOGIA E MÁQUINAS
A principal proposta tem origem no modelo sul coreano de tributação robótica, vez que o foco principal é de reduzir os benefícios fiscais concedidos a empresas que invistam no seguimento de automatização do trabalho, como forma de impedir o avanço abrupto da substituição do trabalhador humano pelo robô. Essa redução dos benefícios funcionaria como uma verdade majoração indireta do tributo, vez que a revogação ou redução de benefício assim é entendida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 2.325- DF, 2004) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.325- DF, do Tribunal Pleno. Princípios da Anterioridade anual e da não-cumulatividade tributária. Requerente: Confederação Nacional da Indústria. Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília/DF, 23 de setembro de 2004. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347546. Acesso em 07/10/2024.
, submetendo-se, no caso do Brasil, ao princípio da anterioridade nonagesimal Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20/11/2024.
(Art.150, III, c, da Constituição Federal de 1988) . Assim, benefícios fiscais e creditícios a empresas que invistam em tecnologias da informação, desenvolvimento ou inovação, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados concedidos pela lei da informática (Lei. 8.248/1991) seriam extintos ou reduzidos Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8248.htm. Acesso em: 02/10/2024..
A política inspirada pela Coreia do Sul não pode ser entendida como uma tributação direta sobre os robôs, mas sim uma forma de proteger o trabalhador humano em face da inevitável substituição da mão de obra humana.
AUMENTAR A CARGA TRIBUTÁRIA DAS EMPRESAS QUE UTILIZAM DA AUTOMAÇÃO
A segunda corrente recomenda a criação de um tributo incidente sobre as empresas que utilizem trabalhadores robôs em detrimento de trabalhadores humanos. A ideia seria que os Estados tributassem o lucro ganho pelas empresas quando substituem um trabalhador humano por um serviço automatizado. Assim, o tributo teria como fato gerador a diferença entre o lucro percebido por um humano e por uma máquina. Essa opção decorre diretamente da recomendação feita pelo parlamento europeu citada acima, vez que a condição de sua implementação é atribuir aos robôs uma personalidade jurídica tributária, semelhantes à implementada em entidades coletivas, para que possa ser possível torná-los sujeitos de relações jurídicas tributárias.
O tributo não funcionaria de forma automática, isto é, não teria incidência tributário imediata apenas pelo fato de haver inserção tecnológica nas empresas. O tributo teria como condicionante para sua aplicação a definição clara e objetiva dos contribuintes e dos fatos geradores. Seria necessário definir claramente o que é um robô para fins tributários e quais atividades desempenhadas por ele devem ser tributadas.
Ademais, o tributo terá que ser regido pelos princípios da progressividade, seletividade, e ter natureza extrafiscal. A progressividade estabeleceria faixas de tributação, onerando mais as empresas que permitissem a substituição total da mão de obra humana pelos robôs e menos as empresas com maior preservação dos trabalhadores humanos. Será regido pela seletividade no que diz respeito a atividade exercida pelas corporações, comparando-as com outras empresas que invistam no mesmo setor econômico e que utilizem de automação durante a cadeia de produção, assim, determinados setores teriam uma taxa de automação média, e as empresas que excederem a taxa deverão ser mais oneradas, dessa forma, quanto maior a importância social oriunda da tributação, menor seria a alíquota aplicável (MAZZA, 2024) Segundo Alexandre Mazza, “... quanto maior a importância social que o item tributo tiver, menor a alíquota aplicável”.. A progressividade e a seletividade deverão atuar em conjunto de forma a produzir maior equidade no setor empresarial, a fim de reduzir o impacto tributário em empresas que prezem pelo serviço humano. Ainda, o tributo deverá ter natureza extrafiscal, ou seja, deve ter caráter regulatório de mercado, induzindo determinados comportamentos ou desestimulando outros, a fim de materializar a proteção ao trabalho, consagrada como direito social pelo art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988.
A crítica a esta teoria consiste no fato de onerar demasiadamente os tributos impostos às empresas, vez que toda a política fiscal atual, principalmente no Brasil, tributa excessivamente às corporações, fato evidenciado através de um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), demonstrando que mais de 95% das empresas pagam mais impostos do que deveriam Disponível em: https://ibpt.org.br/levantamento-do-ibpt-mostra-que-95-das-organizacoes-brasileiras-pagam-mais-impostos-do-que-deveriam/. Acesso em 05/10/2024.. Assim, as empresas que já possuem dificuldade diante da complexa legislação tributária aplicada às empresas, teriam mais carga tributária para suportar.
ATRIBUIR “PERSONALIDADE ELETRÔNICA” AOS ROBÔS
Uma terceira possibilidade seria a de atribuir aos robôs uma “personalidade eletrônica” para que seja possível tributá-los com base na renda auferida por sua utilização. Essa abordagem tem como foco a criação de um mecanismo de responsabilidade fiscal direta, alinhando-se à lógica de que os robôs, como geradores de riqueza, devem contribuir para a sociedade da mesma forma que o trabalhadores humanos contribuem.
Entretanto, essa abordagem enfrenta críticas substanciais, especialmente no que tange à dificuldade de delimitação das formas de automações que seriam consideradas “pessoas eletrônicas”. Diante de tal problemática, o Parlamento Europeu, em um anexo à resolução mencionada acima, definiu como robôs os equipamentos com as seguintes características: capacidade de autonomia, isto é, robôs devem ser capazes de adquirir autonomia através de sensores e/ou pela troca de dados com o ambiente, além da análise desses dados; capacidade de aprendizado, possibilitando que as máquinas tenham a capacidade de aprender com a experiência e com a interação em seu entorno; suporte física, ou seja, devem possuir uma forma de suporte físico; adaptação comportamental, possuindo a capacidade de adaptar o seu comportamento e as suas ações ao ambiente.
Assim, seria considerado atividade robótica a máquina que cumulativamente possuísse tais características. Em que pese a delimitação mais objetiva, o conceito de robô para fins de responsabilidade tributária ainda é nebuloso, o que dificulta a implementação efetiva dessa tributação.
Dessa forma, ainda que a ideia de atribuir uma personalidade eletrônica aos robôs apresente um potencial significativo para a criação de um sistema fiscal mais justo e adaptado à realidade da automação, a falta de clareza conceitual impede a concretização de tal proposta no atual contexto jurídico.
CONCEDER PREFERÊNCIAS FISCAIS ÀS EMPRESAS QUE EMPREGAM MAIS TRABALHADORES HUMANOS
Um outro meio de solução para a problemática seria premiar às corporações que auxiliarem nas políticas fiscais e tributárias voltadas, primordialmente, para a fortificação do trabalhador humano e redução do quadro de desempregados do país, com incentivos e benefícios fiscais.
É sabido que os incentivos fiscais são frequentemente utilizados em nosso sistema como uma estratégia de intervenção em setores sociais ou econômicos. Essas medidas funcionam como instrumentos que favorecem os objetivos do Estado. A implementação de incentivos fiscais voltados para a proteção do emprego diante da automação pode se dar por meio de uma política pública de discriminação tributária positiva, que inclui a concessão de isenções, redução de alíquotas, anistias, remissões, subsídios, desoneração da folha de pagamento e outras formas de apoio tributário como contrapartida do Estado. Isso estimularia os contribuintes a adotarem atitudes mais favoráveis aos direitos sociais, com o objetivo de garantir maior estabilidade nos postos de trabalho.
Dentre as políticas fiscais propostas está a revogação de contribuições patronais pagas para a seguridade social (art. 195, I, da Constituição Federal de 1988) A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício
, de forma a isentar as empresas de recolherem contribuição patronal sobre trabalhadores humanos e automatizados. Entretanto, tal preferência fiscal potencializaria a insolvência dos sistemas da seguridade social, ante o déficit financeiro que seria gerado no orçamento da seguridade social.
NOVAS FONTES DE CUSTEIO TEMPORÁRIAS DESTINADAS À CAPACITAÇÃO DOS TRABALHADORES
Uma outra proposta de proteção social aos empregados seria a implementação de novas fontes de custeio da seguridade como forma de garantir a prestação de benefícios assistenciais de primeiro pilar e proteção ao trabalhador que terá sua profissão substituída pelo avanço tecnológico. Tal medida seria temporária pois seu foco principal seria a capacitação do profissional que perdeu ou perderá seu emprego pelo advento da robótica ou inteligência artificial, assim, o Estado arrecadaria receita extraordinária para investimento em cursos e capacitações aos trabalhadores, de forma a minimizar os impactos e garantir a produção de mais empregos.
A ideia sobre novas fontes de custeio destinadas a garantir a subsistência da arrecadação para a previdência social e a capacitação dos trabalhadores para os novos empregos, surgiu a partir de um estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum) no ano de 2015. No estudo, foi proposto um modelo de 3 pilares principais destinados a estes fins, sendo este adaptado brilhantemente por Fábio Zumbi-te Ibrahim e, posteriormente, pelo Dr. Marcelo Fernando Borsio e Odasir Piacini Neto Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (BRASIL, 1988, Art. 3). Os pilares, tendo como premissa o objetivo fundamental da solidariedade (art. 3º, I da Constituição Federal), tem como propósito a substituição de um sistema bismarckiano, já destinado à falência, a fim de que a arrecadação da seguridade social seja feita primordialmente através de impostos, como adicionais ao imposto de renda. No primeiro pilar, seria fundado a ideia de distribuição de renda aos mais necessitados e na prestação de serviços assistenciais, cobrindo riscos sociais mais gravosos, tais como a invalidez, morte ou doença. O primeiro pilar, teria como financiador a receita obtida através do imposto de renda, pois, seria financiado por toda a coletividade e garantiria uma proteção mais estável aos segurados. No segundo pilar, fixou-se a ideia de que novas fontes de custeio também poderão auxiliar na prestação de um bem-estar à pessoa que contribuiu voluntariamente a mais do que deveria, assim o trabalhador que contribuiu acima do mínimo será recompensado com uma previdência materialmente justa e condizente com seu esforço. No terceiro pilar, serão possibilitadas a contribuição para previdências complementares, de natureza privada, possibilitando aos segurados que construam seus benefícios no futuro, abdicando de prazeres consumistas atuais. O modelo proposto privilegia a manutenção da arrecadação da previdência e garante que a cobertura das prestações seja universal, tendo como condicionante a necessidade de alteração no pensamento social no que diz a respeito a uma conduta mais altruísta e fraternas, garantindo assim a efetividade do sistema previdenciário, conforme afirma Marcelo Fernando Borsio, vejamos:
[...] as alterações propostas visam garantir a efetividade do direito fundamental à previdência social, que, como já dito, encontra-se seriamente ameaçado caso a sua sistemática de custeio não seja revista. No entanto, a alteração debatida somente se mostra possível dentro de uma sociedade fraterna e altruísta, em que o ápice da dignidade humana será atingido em todos os seus contornos.” (BORSIO, 2021, p. 52081) .
Fato é que o modelo proposto também possibilita que a receita oriunda das novas fontes de custeio seja utilizada como mecanismo de capacitação temporária dos trabalhadores em novas profissões, sejam tecnológicas ou não, contribuindo para a criação de novas oportunidades de trabalho e o fortalecimento da previdência social.
Relacionado a esse tema, em 2021, durante Assembleia Geral da ONU, em conjunto com a OIT, Antônio Guterres, o Secretário Geral das Nações Unidas, propôs a criação do Acelerador Global sobre Empregos e Proteção Social para uma Transição Justa. Tal iniciativa baseada em três pilares tem como foco aumentar o nível e a coordenação entre países com vistas a criar mais de 400 milhões de empregos em diversas áreas, estender a cobertura dos serviços prestados pela seguridade social e facilitar transições justas para empregos mais qualificados. O primeiro pilar dessa iniciativa visa desenvolver estratégias nacionais integradas de emprego, proteção social e transição justa. O segundo pilar diz respeito ao financiamento do desenvolvimento das estratégias do pilar um. Neste pilar seria necessário esforços nacionais para implementação de novas políticas fiscais e apoio financeiro internacional de instituições financeiras privadas e públicas internacionais. Também seria possível o financeiro através de um Fundo Global para Proteção Social BORSIO, Marcelo Fernando; PIACINI, Odasir Neto. A falência do método do custeio previdenciário bismarckiano: à luz da sociedade de risco na indústria 4.0 e da nova demografia brasileira. International Journal of Development Research, Vol. 11, 2021, p. 52078.
Disponível em: https://www.unglobalaccelerator.org/. Acesso em 19/11/2024.
, que tem como foco ajudar os países a desenvolverem pisos nacionais de segurança social. Já no terceiro pilar estariam os esforços de cooperação multilateral para criar um impulso político e apoio estratégico para o acelerador. Assim, a iniciativa do Acelerador Global contribuiria para a implementação de uma proteção social adequada e justa para frear a substituição dos trabalhadores humanos, tornando-se uma ideia que também pode ser aplicada em cada país isoladamente através da implementação de novas fontes de custeio destinadas a esses fins.
CONCLUSÃO
O sistema previdenciário de nosso país vive uma realidade preocupante, vez que os impactos ocorridos pelo advento da 4ª revolução industrial e pela inversão da pirâmide etária mostram que nosso sistema previdenciário não está devidamente preparado para lidar com as novas questões que possam surgir. O modelo previdenciário adotado no Brasil privilegia excessivamente o trabalho formal, sendo custeado principalmente através de contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários e sobre a remuneração percebida pelo trabalhador.
Ocorre que, conforme abordado no presente trabalho, a substituição desse trabalhador humano por máquinas é uma realidade que não pode ser ignorada, vez que com o avanço da tecnologia tal prática se tornará comum dentro das empresas, potencializando assim seu potencial negativo. Assim, considerando que não há no Brasil uma normatização que preveja a arrecadação tributária decorrente do trabalho realizado essencialmente por robôs, o trabalho tratou sobre a necessidade de revermos a atual política fiscal, discutindo sobre hipóteses de tributação que poderão incidir sobre a atividade robótica, tendo estas como objetivo principal a redução dos impactos de arrecadação no cofre da seguridade social.
Nesse sentido, constatou-se que todas as propostas abordadas no trabalho possuem a capacidade de minar ou reduzir os efeitos causados pela perda da principal fonte de arrecadação da seguridade, contribuindo para a manutenção das prestações assistências e previdenciárias constitucionalmente garantidas aos segurados.
Referências
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DMITRUK , Hilda Beatriz (Org.) . Cadernos metodológicos : diretrizes da metodologia científica . 5 ed . Chapecó : Argos , 2001 . 123 p .
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