UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
GESTÃO DE RISCOS COMO INSTRUMENTO PARA A TOMADA DE DECISÃO
Resumo
Em 2007, o Comitê de Gerenciamento de Riscos Corporativos publicou o Guia de Orientação para Gerenciamento de Riscos Corporativos com o intuito de disseminar os principais conceitos sobre o tema. O Guia teve um enfoque teórico e seu conteúdo foi desenvolvido a partir das experiências dos membros do comitê. Em 2008, as atividades do Comitê de Gerenciamento de Riscos Corporativos buscaram um foco mais prático, utilizando a experiência das empresas neste tema para publicar três cadernos com estudos de casos que exploraram os temas: (a) Visão Evolutiva do Modelo de Gestão de Riscos; (b) Gestão Integrada de Riscos; e (c) Gestão de Riscos como Instrumento para a Tomada de Decisão.
Para tanto, convidamos cinco empresas para apresentar suas experiências: Vale, Natura, Banco Real, Brasil Telecom e Votorantim Celulose e Papel (VCP). Os estudos de caso detalham experiências práticas e sumarizam as principais conclusões do comitê quanto às lições aprendidas. Agradecemos a participação de Celso Yao (gerente de Gestão de Base de Ativos e Riscos da VCP), Gabriela Doti (gerente de Gestão de Riscos Corporativos da Brasil Telecom), Gustavo Raposo (Global Risk Management Implementation manager da Vale), Mercedes Marina Stinco (gerente de Auditoria e Gestão de Riscos da Natura) e Samya Paiva (superintendente de Risco Operacional e Gestão Integrada de Riscos do Banco Real) por compartilhar as experiências de suas empresas.
Agradecemos também a José Guimarães Monforte, presidente do IBGC de 2004 a 2008, pelo seu entusiasmo e suporte para a elaboração de estudos de
caso.
Palavras-chave: Gestão de Risco
Introdução
I – Em 1918 o português Antônio Pereira Ignácio adquire uma fabrica de tecidos na região de Sorocaba, uma das maiores do país e integrava a massa falida de um banco.
Em 1925 a filha do português casa-se com o engenheiro Antônio Ermírio de Moraes que assume em pouco tempo o cargo de diretor gerente da Votorantim.
Apartir da década de 30 começa a diversificar os negócios passando a atuar em setores relevantes da economia.
Em 1988 entra no setor de celulose sendo considerada uma das maiores produtora de papel do Grupo Votorantim com a missão de ser referencia como empresa de celulose e papel, criando oportunidades e diferenciais competitivos.
II – Em 2001 após um estudo realizado pela empresa KPMG Auditoria a pedido do comitê do Grupo Votorantim, a consultoria vem pra identificar oportunidades de alavancar ganhos mediante a diminuição dos juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) e a despesa do capital utilizado nas melhorias.
Com base nessas identificações na área já existente de Gestão de Riscos Operacionais foram criadas duas novas áreas:
– Gestão de riscos estratégicos para redução na oscilação entre ganhos, perdas e lucros;
– Gestão de investimentos com foco na oportunidade de despesas de capital.
GESTÃO DE RISCOS COMO INSTRUMENTO PARA TOMADA DE DECISÃO
O início do uso da gestão de riscos como ferramenta para a tomada de decisão na Votorantim Celulose e Papel (VCP) aconteceu em 2001, após um estudo realizado por uma consultoria externa ter identificado oportunidades de alavancar ganhos mediante a diminuição da variabilidade do EBITDA e o aprimoramento do processo de avaliação e gestão de CAPEX2. A partir dessa constatação foram criadas, além daárea já existente de Gestão de Riscos Operacionais, duas novas áreas:
• Gestão de Riscos Estratégicos, com foco na redução da volatilidade de EBITDA;
• Gestão de Investimentos, com foco na avaliação de oportunidades de CAPEX.
Desde o início, a gestão de riscos na VCP é guiada pela definição de risco da
empresa: “risco é todo evento que possa impactar o atingimento dos objetivos”.
Desde sua criação, a estrutura organizacional das áreas diretamente envolvidas com a gestão de riscos evoluiu conforme o quadro
Evolução da Organização de Gestão de RiscoGrupo Votorantim
Em 2003 houve a fusão da área de Gestão de Riscos Estratégicos com a área de Gestão de Riscos Operacionais. As duas áreas basicamente cuidavam de riscos com enfoques diferentes: a primeira olhava os riscos fundamentalmente exógenos à empresa,enquanto a segunda preocupava-se com os riscos de caráter mais endógeno.
Ao longo deste período, a área de Gestão de Investimentos incorporou
ferramentas de análise de estatística em valuation de CAPEX, o que capacitou a área a incorporar as atividades de Gestão de Riscos em 2006, quando o foco era primordialmente modelagem. Esta incorporação deu origem à atual área de Gestão
de Ativos e Riscos, que tem como missão:
• Valuation (CAPEX)
• Gestão Financeira de Projetos
• Post Audit5
de Projetos
• Gestão de Riscos
• Compliance
A liderança de gestão de riscos está dentro de uma área que também é responsável pelo suporte ao negócio (gestão de CAPEX) e tem como característica ser capital intensiva.
As mudanças organizacionais foram acompanhadas de alterações no foco e no
modus operandi 6 da área (quadro II).
Etapas de Implantação do ModeloOs autores (2017)
A área de Gestão de Ativos e Riscos reporta-se, desde a sua criação, ao diretor
de Finanças e Relações com Investidores. De acordo com as regras de governança da empresa, a seleção do gerente da área de ativos e riscos, bem como seus pares (controller8 , gestor de contabilidade e gestor de tributos) devem ser referendados pelo Conselho Fiscal e pelo Comitê de Auditoria.
A estrutura organizacional da área de Gestão de Ativos e Riscos e seu posicionamento na companhia estão representados no quadro III.
Estrutura OrganizacionalOs autores (2017)
A área passou também por uma mudança significativa no perfil da sua equipe, que primeiramente era bastante focada em habilidades quantitativas (estatísticas e de modelagem) e atualmente (2008) está mais focada em habilidades qualitativas e de comunicação.
O número enxuto de pessoas na área de Gestão de Ativos e Riscos tem tido um impacto importante nas decisões relativas à sua forma de atuação. Desde a Etapa
- (Modelar), a área trabalha com o conceito de que os gestores das áreas devem ser os donos dos modelos e da gestão de riscos, mas foi somente após a Etapa 4 (Disseminar) que eles assumiram efetivamente a responsabilidade pela gestão de riscos. O papel da área de Gestão de Ativos e Riscos é ser a facilitadora desse processo, cumprindo as seguintes funções:
- Apoiar as demais áreas na identificação, avaliação e priorização dos eventos;
- Participar da elaboração dos planos de mitigação e contingência, e validá- los continuamente;
- Prospectar novas metodologias e ferramentas para aprimorar suas atividades;
- Atuar como consultor interno, aportando conhecimento específico nos demais processos;
- Criar a consciência de gestão de riscos mediante reuniões (lideranças) e apresentações sobre conceitos, especialmente nos processos em que o nível de maturidade é menor;
- Formar gestores de risco nas diversas áreas como pontos de apoio distribuídos (gestores SOX, gestores de perfil e gestores de risco);
- Apoiar e dar suporte às demais áreas aportando tecnologia e conhecimento específico.
A área de Gestão de Ativos e Riscos também organiza um evento anual ( Workshop de Risco) no qual se discutem temas de Compliance e risco, compartilhando melhores práticas. Neste mesmo evento, os principais esforços de gestão de risco também são reconhecidos publicamente, uma atitude considerada fundamental para a motivação e manutenção da cultura de gestão de riscos.
O processo de implementação da Gestão de Riscos como instrumento na tomada de decisão continua em andamento na VCP. Como próximos passos, a área
já identificou a necessidade de:
• Modelagem mais sistêmica dos riscos, com a elaboração de mapas de
causa/efeito (quadro IV)
Quadro IV – Mapa de Causa-EfeitoOs autores (2017)
• Melhoraria no encadeamento das iniciativas de gestão de risco
(capturar sinergias);
• Antecipação de riscos de alto impacto e baixa probabilidade
de ocorrência.
Benefícios
Os benefícios da atuação da área de Gestão de Ativos e Riscos são múltiplos.Não
existe um processo formal de avaliação desses benefícios, mas podem-se ressaltar alguns indicadores da atuação da área de Gestão de Ativos e Riscos:
- Controles internos robustos garantidos pelo entendimento do risco
e não como uma plataforma de atendimento a uma regulamentação; - Uniformização da linguagem (taxonomia única);
- Disseminação dos conceitos de riscos, permitindo que cada área fizesse a
racionalização da sua matriz de controles (496 controles-chave em 2006, 192 controles-chave em 2007); - Envolvimento de todos na Gestão dos Riscos;
- Integração das diversas áreas do negócio: riscos, compliance,
controles internos, segurança da informação, auditoria e processos; - Melhoria dos indicadores de governança corporativa.
A avaliação do desempenho da área é realizada analisando-se metas claras, como
manutenção da certificação SOX e post audits em CAPEX, o nível de satisfação dos clientes internos e os relatórios de auditorias.
DESAFIOS
No processo do uso da Gestão de Riscos como instrumento para tomada
de decisão, a VCP tem se deparado com diversos desafios, entre eles:
- Manutenção da cultura de risco, em um ambiente de turnover mais elevado;
- Necessidade de uma visão mais integrada de riscos, eventualmente com a criação de um Comitê de Riscos; porém, o desenvolvimento de um painel integrado de riscos não está entre as prioridades da área por acreditarmos que ele pode, de certa forma, engessar o processo.
- Os principais indicadores de risco, no entanto,estão inseridos nos indicadores das áreas e fazem parte da avaliação diária dos negócios;
- Monitoramento dos riscos de baixa probabilidade e alto impacto.
Exemplos – Risco de Perda de Pessoas-Chave e Processo de CAPEX
Dois casos ilustram bem o trabalho da área de Gestão de Ativos e Riscos. No
primeiro foi analisado o risco de perda de pessoas-chave. A Figura 1 ilustra os casos
de risco de perda com grande probabilidade e grande dano para a VCP.
Risco de perda de pessoas-chaveOs autores (2017)
Neste primeiro caso foram analisados os fatores de risco associados adiferentes níveis dentro da organização relacionados à Pessoa, à VCP e ao mercado.A Figura 2 ilustra a matriz elaborada para explicitar os respectivos dados.
Matriz de risco de perda de pessoas-chaveGRUPO VOTORANTIM
Com o mapeamento e o monitoramento contínuo dos riscos associados às pessoas-chave, feito pela área de Gestão de Ativos e Riscos, foi possível identificar fatores de riscos e direcionar a tomada de decisão em casos como planos de sucessão ou programas de transferência de conhecimento de pessoas-chave detentoras de conhecimentos estratégicos.
No segundo caso, o processo de CAPEX da empresa foi refeito. Antes do trabalho da área de Gestão de Ativos e Riscos, o processo de gestão da CAPEX18 seguia a estrutura mostrada na Figura 3 e se caracterizava por:
- Pouca geração de alternativas;
- Baixa acuidade nos cálculos de retorno (budget10 impreciso, problemas na
- captura de benefícios etc.);
- Pouca discussão na aprovação;
- Percepção de aprovação de maus projetos e reprovação de bons projetos
Processo de Avaliação de CapexOs autores (2017)
A Figura 4 mostra a nova estrutura que se caracteriza por:
- Visão sistêmica;
- Discussão multidisciplinar;
- Análise estatística de risco.
Processo Atual de Avaliação de CapexOs autores (2017)
O atual processo de avaliação de CAPEX da VCP parte de alguns pressupostos:
• É fundamental que existam alternativas;
• Abordagem multifuncional na base de discussão minimiza a possibilidade
de erros de concepção dos projetos.
Com base neste atual processo, os novos projetos são submetidos à apreciação
de uma equipe multifuncional com representantes de cada área que possa ser afetada pelo projeto. Esta equipe tem a função de desafiar as premissas do projeto fazendo as perguntas necessárias. Com isso, ao final desta fase têm-se:
• Projeto mais robusto em suas premissas;
• Alternativas geradas como resultado dos questionamentos e discussões.
A mesma equipe auxilia na identificação de custos e benefícios, bem como de
riscos do projeto. Essas informações serão a base para o cálculo de retorno e avaliação de risco do projeto.
Todo esse processo é conduzido por um analista de ativos e riscos que
tem a função de garantir a aderência à metodologia e o respeito a algumas regras fundamentais:
• Não existe hierarquia na equipe;
• Vale qualquer pergunta;
• As perguntas devem ser respondidas até que a pessoa que elaborou a
pergunta se dê por satisfeita.
Conclusão
Com base na apresentação feita pela VCP, o Comitê identificou as seguintes
lições aprendidas:
- Processo evolutivo – modelo flexível, capaz de aprender com os próprios erros e com o que outros fizeram;
- Implementação da gestão de riscos alinhada com as demandas do negócio;
- Utilizar a obrigatoriedade da SOX para cultivar um modelo que vá além dela;
- Tradução da linguagem da área de Gestão de Riscos em linguagem acessível e adequada ao dia-a-dia dos negócios é fundamental para o entendimento dos conceitos de risco por parte de toda a organização;
- Gestão de Riscos per se feita “nas pontas” pelos donos dos processos,que são os mais habilitados a realizar esta atividade. A área de Gestão de Riscos é responsável por dar suporte às unidades de negócio, aportar metodologia, comunicar, coordenar os esforços; e consolidar, monitorar e reportar os resultados;
- Importância relativa de modelagem
- Ĕ Começar simples e tornar o modelo complexo conforme a necessidade surgir;
- Iniciar com análise qualitativa e, a partir dela, fazer a modelagem.
- Reconhecer no dia-a-dia o trabalho dos risk officers11;
- Mudança de cultura e capacidade de comunicação são peças-chave para uma gestão eficaz de riscos;
- Mitigação de riscos pode também ser feita por meio de processos de crítica institucionalizada ao processo decisório.
Referências
. ISO/IEC 31010:2009: Risk management — Risk assessment techniques. Brasil: ABNT.
. NBR ISO 9001/2000: Sistemas de Gestão da Qualidade. 5. ed. Rio de Janeiro, 2001. 123 p.